CANTO E LÁGRIMA: VIDA INTENSA E NÃO REGIDA

"Regida demais, intensa de menos. Lágrimas engolidas pelos cantos da alma que não tem tempo pra sorrir, chorar, sentir. Mãe, irmã, filha, amante, dona de casa, esposa, profissional exemplo..." Relatos das várias mulheres que se escondem dentro de cada mulher, seu mundo, intocável para aqueles que só enxergam com os olhos da carne.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Esquecimento

Carolina Gobbi

Enquanto eu ainda era um feto
Imaginava o que seria o mundo
Imaginava como ele seria perfeito
Os sonhos cresciam dentro de mim
Como uma nuvem que chove pra chegar ao mar
Antes de vir ao mundo já aprendera a viajar
Visitava um mundo que era...
Não sei, acho que esqueci...

Um dia enfim abri meus olhos
E ouvi minha própria voz... e chorei...
Tive, quando nasci, minha primeira desilusão
Então dormi e logo comecei a sonhar de novo
Mas cada vez que olhava para fora de mim
Vinha de dentro um forte e doloroso grito
As lágrimas só cessaram à medida que esqueci
A cada segundo esquecia de um sonho
De uma esperança, de momentos que vivi

Eu já em acostumara com o mundo em que nasci
Quando criança aprendi a viver aqui
Os sonhos recomeçavam a fluir
Agora como rios, grandes rios
Formados por nuvens que chovem pro mar
Mar feito das lágrimas
As lágrimas que chorei quando... esqueci...

Finalmente cresci!
Era agora uma mulher
Aprendera a perceber a hora de sorrir
Aprendera agora a não me permitir chorar
Mas flutuava num infindável mar
De lágrimas que em muitos sonhos colhi
Sonhos não realizados... Sonhos que esqueci...

Flutuando no único sonho
Que consegui realizar
Vou terminando meus dias
Escrevendo sobre sonhar
Volto agora a ser um ‘feto’
A imaginar o mundo de lá
Só que agora sei que quando eu tiver ido
Tudo o que é meu... Tudo o que sonhei...
Tudo o que escrevi e escreverei...
Será esquecido!

Primavera de 94


Aline Oliveira

Primavera de 94

Mudei-me da Qd 12 pra Qd 2.

Resignada... revoltada. Eu tinha toda uma história naquela quadra que eu morava...

Perdi inclusive o primeiro jogo do campeonato de basquete. Meu treinador puto comigo... eu puta com um bando de gente.

Na casa ao lado uma menina super simpática, risonha e falante me apresenta ao pessoal da rua.
Pessoalzinho mais ou menos. Desconfiava de tudo e todos. Rua estranha dividida em começo da rua, meio e galera do quadradão... coisa estranha. Na 12 era a rua inteirinha unida. De uma ponta a outra da quadra.
Beleza... pelo menos num vou ficar tão sozinha, e ela é super gente boa. A menina falante da casa à minha direita me apresenta ao meu vizinho à esquerda da minha nova casa. Legalzinho ele também. E quando vou à casa dela pra fazer aquela comum troca de informações chega sua prima... legalzinha tb... mas mora bem longe da gente. Mora no meio do lugar onde começam os edifícios. Pouca coisa mais tarde chega o irmão da menina falante...

O mundo parou. Senti um aperto tão grande dentro de mim que queria vomitar!!! Meu Deus eu queria sair correndo dali. Que sensação horrível. Minhas pernas não me atendiam... meus olhos só se moviam em uma direção... Os olhos dele!!

E ele?! Sequer notou minha presença...
A menina falante me apresentou a ele, mas ele sequer chegou a fitar-me os olhos.


Preparativos pra Copa...

Maravilha... A menina falante e os outros da rua já podiam ser chamados de amigos. E eu os via realmente como amigos. Todos nós envolvidos em enfeitar a quadra e fazer vaquinha pra comprar td que seria consumido durante os jogos. Telão de um na parede de outro, com som de outro, e todo mundo unido. Até o irmão que nem olhava nos meus olhos agora já conversava comigo... Sim acho que estávamos perto de uma amizade... Mas eu continuava sentindo aquela sensação horrorosa cada vez que ele chegava perto.
Brasil ganhou. Felicidade.

Em comemoração à vitória fomos para a chácara dos pais da menina falante e sorridente que se tornara minha mais nova melhor amiga. Além dos pais dela e nós, foram também o vizinho da esquerda que era o melhor amigo do irmão dela,e claro, pra meu desespero, confusão e felicidade, o irmão dela.
Meu Deus, nunca tinha ficado tão feliz em estar espremida no banco de trás de um carro. Foram o pai e a mãe dela no banco da frente e nós quatro no banco de trás. Eu bem pertinho dele, encostadinha nele e de novo aquela coisa que me espremia o estômago e me tirava o ar voltava a me atormentar.
Que coisa estranha era essa que eu não sabia descrever nem controlar? Sei que todo mundo falava comigo e eu não conseguia fazer nada além de implorar pro meu coração bater mais devagar e mais baixo um pouquinho pq a impressão que eu tinha era que todo mundo tava escutando ele acelerado e tão desesperado quanto eu.

Chegamos ao nosso destino. Graças a deus. Descarregamos o carro e todas aquelas coisas normais. Fomos jogar, nadar no rio... E de repente um incidente. Eu na ansiedade de participar de tudo tirei a tala do braço, sim eu estava usando uma desde que caí andando de patins na nova rua, e como eu não movimentava o braço há alguns dias normal que ele não tivesse muita força. Então imagina a confusão que resultou da combinação braço recém tirado tala com rio desconhecido mais correnteza forte. Menina lerda sendo arrastada na certa. E eis que surge meu herói. Não tinha capa, nem voava, apenas trajava bermuda e camiseta, mas era ele o herói mais lindo do mundo. E acompanhado dele vinham sempre sintomas totalmente desagradáveis. Então, por causa dos sintomas, fiquei estática, não conseguia atender às vozes que me pediam para segurar em suas mãos. Mas ele me segurou. Eu não tava nem aí pro fato de que eu estivera prestes a me afogar, eu só conseguia pensar em uma coisa: "Ele me segurou". Ele, que não olhava pra mim, me tocou voluntariamente. Ai que o mundo todo sorriu pra mim naquele momento. Mas depois eu voltei a ser invisível pra ele. E aí sim eu senti a pior dor que eu já havia experimentado até então. Era algo que me despedaçava por dentro. Como se milhares de gafanhotos atacassem meu coraçãozinho tão ingênuo e fossem arrancando, um a um, fragmentos dele.

E surge a proposta tentadora da minha mais nova melhor amiga e cúmplice de todas as minhas novas experiências. Era chegada a hora de mais uma. "Vamos experimentar Cuba-libre?" - perguntou ela. Hesitei a princípio, mas quando lembrei da dor avassaladora que me consumia, decidi que não havia melhor hora. Já no terceiro copo daquela mistura meio doce, meio amarga, eu sentia que começava a perder o absoluto controle sobre alguns órgãos do meu corpo. Além de alguns músculos, tecidos e membros. Os braços, que já não eram tão fáceis de controlar por causa de seu tamanho que aumentava dia a dia, tornaram-se ainda mais desastrados e minha cabeça, já normalmente muito confusa e agitada, agora inventava rodopios que só eu percebia. Tomei mais uns copos, desta vez com um pouco mais de pressa, na esperança de me livrar destas novas sensações, mas que para minha infelicidade fizeram aumentar a intensidade de tudo que eu estava sentindo e, debaixo de uma lua cheia e iluminada, resolvi me aproximar daquele que fora ao mesmo tempo meu herói e meu vilão. Eu só havia esquecido dos sintomas que me acometiam cada vez que eu me aproximava dele. E assim como o Super-Homem não se controlava quando exposto à terrível pedra, assim eu, não pude controlar as palavras que saíam da minha boca. Muitas delas quase inaudíveis, por causa do leve adormecimento que tomou minha língua, e então, zonza, proferi um:
-Eu to apaixonada por você... e quero um beijo.

E de repente meu corpo, até então obediente e racional, criou vida própria e, numa rebelião interna liderada pelo meu coração, resolveu transformar em ação o que os lábios haviam proferido. E com todo carinho e respeito dignos de um herói, veio a punhalada:
- Sinto muito, linda. Não posso fazer isto com você. Não quero que você sofra, mas não seria justo receber este seu carinho sendo que meu carinho pertence a outra menina.

Nessa hora, aqueles sintomas que sempre aparecem quando me aproximo dele voltaram. Então minha cabeça começou a girar e que vontade de chorar. Que vontade de sair correndo. Meu estômago estava sendo espremido e, não!!! Oh não!!! Tantas emoções misturadas a tantas cubas só podiam ter um desastroso resultado. Pelo menos tudo, absolutamente tudo, que estava me incomodando até aquele momento coloquei, literalmente, pra fora.
Vergonha, conheci o verdadeiro significado desta palavra nesta noite. Mas eu pelo menos estaria em contato com ele por um bom tempo, ainda que indiretamente. Ou pelo menos algo que saiu de mim estaria.

Algum tempo depois, ainda nesta mesma noite despertei dentro do carro com a menina falante de um lado e o vizinho da esquerda do outro. Mas cadê o meu herói? Será que foi só um sonho ruim? Não acredito, ufa, que alívio. Pergunto por ele à sua irmã e ela me dá a notícia que eu não queria ouvir:
-Ele está se limpando depois do banho de líquidos indistingüíveis que você deu nele.

Ai que horror. Foi de verdade. Aquilo realmente aconteceu.
Tentei me restabelecer e fomos para o quarto dormir. Todos nós dormindo no mesmo quarto. Eu, meu herói/vilão, o vizinho e minha melhor amiga. No meio da noite um frio tenebroso misturado ao meu choro de vergonha e desalento fazem minhas cobertas tremularem. E mais uma vez ele veio me salvar. A despeito de todas as coisas horrendas que aconteceram durante o curso daquele dia, ele dividiu sua coberta comigo. Eu nunca dormira tão feliz até aquela noite.


Inverno de 2007.

Após os terríveis acontecimentos da primavera de 94, nos falávamos, eu e meu herói, sem sequer citar a seqüência de incidentes ocorridos. Tocávamos a vida normalmente. Até que nasceu uma amizade bem leve. Sempre pude contar com seu ombro, afinal heróis estão aí para salvar-nos de todos os perigos. Só que eu fui uma mocinha muito atípica, tudo bem, a Srta. Lane também não era muito convencional.

Vários acontecimentos nos afastaram, mas de uma forma ou outra sempre estivemos próximos. Até que num despretensioso jantar de reencontro voltam todos aqueles sintomas há muito esquecidos. E desta vez, pelo menos, eu estava mais sóbria que da primeira. Mãos que brincam, rostos próximos, respiração quente e gostosa, um beijo que me leva ao passado como num túnel do tempo e me traz de volta ao futuro, carregando, impregnado em mim, todos aqueles sentimentos que inundavam aquele coração tão ingênuo e imaculado pelas paixões.
Que situação diferente. Agora não sou eu que peço. É-me roubado. Mas que belo presente de dia dos namorados. Hoje já não mais uma menina. Nem tão imaculada. Mas incrivelmente ele permanece herói. Preocupa-se tanto com o fato de não poder ter me protegido de todos os outros perigos da vida. E eu continuo, ali, sem falar nada, apenas fitando-o, observando este jantar à luz de velas regado a vinho tinto, ao som de uma voz feminina e melodiosa que toca algumas músicas românticas, rindo penso comigo mesma:
- Como o mundo dá voltas...