CANTO E LÁGRIMA: VIDA INTENSA E NÃO REGIDA

"Regida demais, intensa de menos. Lágrimas engolidas pelos cantos da alma que não tem tempo pra sorrir, chorar, sentir. Mãe, irmã, filha, amante, dona de casa, esposa, profissional exemplo..." Relatos das várias mulheres que se escondem dentro de cada mulher, seu mundo, intocável para aqueles que só enxergam com os olhos da carne.

domingo, 11 de maio de 2014

Meretriz

o sol queima em meu baixo ventre
fonte de calor primária do meu ser
meu sexo me impulsiona para a luz
acordo desejo e vou me deliciando de vida durante o dia
anoiteço molejo e vou me despindo em magia durante a noite

de dia meu corpo em curvas perigosas
exalando aromas entorpecentes
minha flor em pétalas desabrocha
atrai meu predador para uma refeição embriagante
mal sabe ele que em seus braços se torna caça

à noite preparo meu jantar
devoro as partes de meu cativo
bebo seu vinho e dele me enveneno
uma vez que me alimento por capricho de leoa
solto as correntes de minha fera e desapareço na rua

a Lua refresca minhas entranhas
pinta de branco meus líquidos
meu ventre se torna casa noturna
adormeço perfumando de luz os quartos escuros
amanheço orvalho em gotas de substâncias ilícitas

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Violeta

Com o coração gigante era estranho que aquele ser pudesse existir... Mais curioso ainda que pudesse ser encantador. Quanta beleza pode ser vista a olhos nus? Ali estava a prova de que beleza pode ser tão subjetiva quanto óbvia!

O coração pulsava forte, fazendo brilhar uma luz violácea em seu peito. Os seios fartos, como que se a Natureza em sua perfeição houvesse modelado a filha à sua imagem e semelhança. A marca da fertilidade da Mãe. 

Apesar de pequenina, os cabelos de fogo com a pele pálida e o corpo macio e carnudo faziam daquela a imagem de uma deusa. Esbelta, mesmo com corpo farto, ela flutuava em direção às pessoas sabendo exatamente a quem deveria se mostrar. E quando tocava essa criatura era como se a vida finalmente chegasse a um pobre coração que nunca soubera ser dotado de luz. 

Certamente aquela mulher não era como as outras... Nascera condenada por trazer dentro do peito um coração grande demais. Todo dia sua mãe agradecia com a pequena nos braços e a beijava como a um anjo, com respeito e cuidado. Assim ela aprendeu, em casa, no seio da mãe, que sempre lhe alimentou mais de amor que de comida em tempos de vacas magras.

Cresceu com muitos cuidados e ao mesmo tempo com a leveza de existir hoje e não fazer tantos planos pra um futuro sempre tão incerto... Talvez seja por isso que sua luz violeta se tornara capaz de iluminar corações a milhares de quilômetros de distância. Ou talvez seja apenas eu que, não entendendo tanto amor num só peito, tente encontrar uma explicação de acordo com meu conhecimento limitado sobre os mistérios que rondam a existência.

O fato é que ela me tocou. Senti uma forte atração quando caminhou em minha direção. Senti perfume de flores, um aroma doce, suave, inebriante. Era a mulher mais linda que já havia cruzado meu caminho. Aquela mulher poderia ser a encarnação da sensualidade do universo. Quando ela chegou ao alcance de minhas mãos, me olhou nos olhos e não disse nada. Fiquei imóvel. Ela pegou minha mão, afastou o lenço do peito e mergulhou meus dedos na carne macia que lhe protege o coração gigante. Eu chorei!  

No momento que ela me tocou com seu coração gigante, me perdi num clarão de luz violeta e senti se esvaírem de mim todas as feridas colecionadas ao longo de anos lidando com humanos tão adoráveis quanto cruéis. Rios de lágrimas nasciam em meus olhos, ela me deitou em seus braços, acariciou meus cabelos e cantou pra mim com a voz mais aveludada que já ouvi. Aí entendi o que estava acontecendo...

Ela fazia de mim cria em seu ninho. A verdade que acontecia ali era muito maior que o maior dos prazeres, muito mais libertadora que todos os elos de todas as correntes rompidos. Aquele coração imenso era capaz de sanar todas as minhas chagas e de me mostrar, como quem abre uma porta que sempre esteve ali, encoberta por umas bagunças, que nenhum mal agora seria capaz de atravessar a luz violeta que pra sempre carregaria também comigo. 

Ela me tocou... por muito tempo me perguntei porque foi até mim... Por muito tempo também não me importei mais com essa explicação. Muitas coisas ganham magia justamente por não sermos capazes compreender. Violeta me fez enxergar o mundo por lentes mágicas que me fizeram ver o caminho sem medos, sem obstáculos capazes de me derrubar. E assim eu cresci. Eu rompi barreiras, ganhei mundos que nem imaginava que pudessem existir.

E depois de todas as lições de cada dia, depois de cada batalha, eu voltava ao nosso ninho, e encontrava ali a força do amor. Mesmo que muitas vezes o único corpo ali estendido fosse o meu com a saudade, estava pra sempre com a energia lilás do amor. Aquele ninho era o meu lar e ali estava tudo que eu precisava para me completar em corpo e alma.