Assim, crescendo torta entre sentimentos incompreendidos e carícias incertas e inconstantes, ficou fácil achar que nunca, nunca estaria pronta pra me mover, fazer acontecer e especialmente amar... É como se todo dia de chuva fosse a queda de um mundo que chorava sobre mim sem me permitir jamais me construir por inteiro.
Quem haveria de comprar este pacote? Quem haveria de fazer com que este coração se abrisse e deixasse entrarem as crianças sorridentes, os meninos bons...? Quem seria capaz de rasgar-me em versos sem rimas, sem métrica, sem poesia prévia?
Escondida atrás de papéis, palavras e cores vibrantes eu deixava os sentimentos tristes sem respirar pra ver se assim eles morriam. O que eu poderia fazer com o medo, a tristeza, o amor reprimido sem objeto para direcioná-lo..? Quem habitava este ser confuso e sem destino previamente traçado?
De que será que faziam parte esses meus pedaços ocultos? O que aconteceu com eles no decorrer dos anos? Eles não saíram de lá. Terão morrido? Terei conseguido assassiná-los? E se hoje o que me move não for mais o que me comove? Se o coração no peito não for mais carne, for outra coisa...
Corre em minhas veias sangue quente e vermelho, sangue de gente que ri e chora! Gente que sente medo e que caminha assim mesmo... Gente que tem uma estrada sob os pés, um céu imenso sobre a cabeça e milhares de sonhos sendo plantados pelo caminho.... às margens da estrada...
O ontem e o amanhã não importam. Estou envolvida eternamente no hoje, como quem se depara com o espelho e ali vê a paisagem em movimento como numa janela de trem... Tudo é novo e lindo, tudo é cor e tudo se mostra por si e não por mim... e ainda assim eu estou ali, no centro!
Talvez eu tenha que aprender comigo mesma o que o mundo não consegue transpor... Eu não sou mais a menina e isso é tão assustador quanto encantador!
Minhas ausências não me ocupam tanto espaço e umas pessoas apareceram para me enfeitiçar. 'Tem certas amizades que mais parecem um amor que se esqueceu de acontecer' não é mesmo..? E eu tenho uns amores pendentes que me ampliam o sorriso quando aparecem na janela e invadem meu espelho.
O sangue queima nas minhas veias, o calor acelera o coração e molha o corpo de carícias por dentro e por fora....Esses meus amores desencontrados me aquecem e fazem chover gotas de chocolate dentro de mim... gomas comestíveis, licores, vapores, odores.... É como alguém que se permite ser alimento quando preciso... e eu realmente adoro comer e ser comida!
Guardo em mim hoje a menina que fui, a mulher que me habita e a senhora que conduzirá com suas mãos envelhecidas o destino de meus dias entre cores, dores e amores... Eu e as todas que me habitam, somos seguidoras de um sistema que não nos permite sonhar! E de que matéria poderíamos ser senão de sonhos, de encantamentos e de feitiços?!
Vivem dentro de mim uns sentimentos tortos... Circulam pelo meu presente umas cores velhas desbotadas e outras novas... E a magia que transpassa minhas partes escondidas cobre minha menina com véus e com guarda-chuvas que guardam as gotas mais preciosas e criam em meu peito uma poça atemporal.
Afinal, apesar de tudo, sou ela, e sou também aquela envelhecida que ainda não chegou. Somos uma sequencia ilógica dividida em uma infinidade de dias, mágicos ou não, acumulados uns sobre os outros através dos tempos, costurados pelos fios dourados de uma mesma essência!
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