CANTO E LÁGRIMA: VIDA INTENSA E NÃO REGIDA

"Regida demais, intensa de menos. Lágrimas engolidas pelos cantos da alma que não tem tempo pra sorrir, chorar, sentir. Mãe, irmã, filha, amante, dona de casa, esposa, profissional exemplo..." Relatos das várias mulheres que se escondem dentro de cada mulher, seu mundo, intocável para aqueles que só enxergam com os olhos da carne.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Morangos e cinta-liga


Aline Fernanda
Noite fria, céu cheio de nuvens.
Um cálice de uma bebida qualquer.
Morangos e velas sobre a mesa.
O cinzeiro já transborda.
Torno a encher o cálice.
Os sapatos já estão em algum canto qualquer do cômodo.
As ligas já soltei da meia, o nó da gravata já desatei.
O batom, ficou na borda do cálice.
Encho de morangos o cálice.
Recosto-me no móvel...

Uma brisa suave brinca com as chamas da vela e dissipa a fumaça de cigarro, vela e incenso...
Algumas folhas de papel estão soltas pela mesa...
O papel me aponta o lápis...
Tomo-os...
E sou tomada...

Sob esta luz dançante vou deslizando as mãos sobre o papel e deixo-me levar...
E as lembranças surgem...
Os sentimentos vão, um a um, desvendando-se como um quebra-cabeças com vida própria e, de repente, me pego, com as mãos ainda deslizando sobre o papel, a imaginar seu olhar.
Como me contemplaria? Como seria o brilho dos seus olhos ao ver-me entregando-me a você e, pouco a pouco, revelando o que a tanto custo afasto de seu alcance...
Meus olhos conversam com os seus como se eu fora mera expectadora e marionete desta cena.
Deixo-me levar e vou deixando que o vento me conduza numa dança despretenciosa e leve...
E nesta dança meu corpo com o seu... ambos diretores destes movimentos...
Eu e você... é já considero isto, mesmo achando engraçado e pensando como consegui protelar por tanto tempo que este desejo aflorasse...

Tomei o cálice novamente, sorvi mais daquela bebida, acendi mais um cigarro...

E a companhia já não está mais aqui.

Solidão Acompanhada

Carolina Gobbi

Vodka, morangos, mágoas
pensamentos distantes...
Sinto frio... Sinto medo...
Não sinto você!

É o princípio do fim
Não quero o fim
Não quero o começo
Só quero!
Quero e não posso ter
Quero porque não posso ter
Por que não posso ter?


Navego mares naufragados
rios (des)encantados
florestas inexploradas
céus intensamente nublados
Não há sol
Estrelas apagadas e só.

Solidão...
O sim querendo não
Não sim sim não

Me busco sol
Me busco sul
Me busco só
Mas não quero só
Mas mão quero só
só pra mim
só em mim
só feliz
feliz e só
só e feliz?
Luz e sol
Apaguem as nuvens!
Dêem-me sol!


Me engana
Me beija
Me mente melhor!

Mentira?
menina mulher
moça de olhos de céu
moça que ama
moça mulher
menina mentira
Homem?
homem menino
menino dos olhos da menina
menina dos olhos da Bahia
Bahia do sul do Brasil
Brasil do planeta da Lua
Lua dos olhos do Sol

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Brinquedo de papel marché











Aline de Oliveira

Tem coisas que realmente são boas demais pra ser verdade.
Por um instante o brinquedo de papel marché creu que realmente nada poderia desbotá-lo.
Ele creu na esperança, aceitou a realidade da ilusão
E deixou-se invadir e inundar tingindo-se das radiantes cores da alegria e do sonho que parecia tão real.
Nunca fora tão feliz.
O brilho dos seus olhos, qual um farol, poderiam iluminar qualquer escuridão, afastando toda tristeza...

Foi-se o riso...
O brilho dos olhos se esvaiu...
O colorido brinquedo de papel marché desbotou.
O que houve?
Será que não era mesmo pra ser?
E se era pra acabar, pra que começar?

Dúvidas que vieram tingir de cinza solidão os dias que eram coloridos pelas radiantes cores da alegria.

Foi-se o canto, resta o pesar.
A necessidade de consertar...
Necessidade desconcertante...
Necessidade frustante...
Necessidade que não vai dar para saciar...

Necessito.
Necessito mesmo?
Não.
Eu sei que não... mas quero ter a ilusão.
Pra que?
Ora se eu não quero saber que te interessa perguntar-me.

A doçura esquivasse ante a presença agressiva do desprezo...
Tenta contra-argumentar, ou pelo menos suavizar um pouco as coisas, mas o desprezo e a impassividade não costumam andar sozinhos, geralmente trazem companhia, e a doçura finalmente é vencida.

Doçura vencida, sai de cena e chora pelo brinquedo de papel marché que fora desbotado...
A doçura não pode agir sozinha... sente-se frustrada, fracassada, pois não consegue impedir a fúria da impulsividade nem o ímpeto da dúvida... e após a devastação causada pela rejeição, doçura sente-se tão fraca que não é capaz sequer de acalentar o pequeno, frágil, só e desbotado brinquedo de papel marché.